Conversava com uma amiga “bem casada” sobre o quanto achava que o marido gostava dela, quando ela me olhou espantada. Para a minha surpresa, ela não tinha a menor ideia daquilo que todos víamos cotidianamente entre o casal.
Eu disse: “Gosta não, seu marido é apaixonado por você”. Ela ficou literalmente aturdida e eu, idem. Era tão óbvio o encantamento por ela.
Passou o tempo e no próximo encontro eu a vi animadíssima, olhos brilhando, cheia de luz e malícia. Me disse de um jeito matreiro: “Comprei camisolas novas”. E eu pensei, dando pulinhos de alegria: “Beleza! O namoro recomeçou!”
Ela continuou: “Visto uma camisola sensual e fico passando na frente dele como quem não quer nada. Quando ele vem para cima de mim eu digo: ‘Agora, meu amigo, você tem que pagar, eu quero muito mais dinheiro’”.
Murchei! Entristeci, choquei, quase chorei de ver tanto mal uso da riqueza que é ser elogiado por alguém.
Um amigo em comum que tem uma tremenda presença de espírito e estava ouvindo o papo retrucou: “Menina, transar por dinheiro é coisa de garota de programa!”
Veja que forma deplorável de terminar algo tão belo.
Lembrei-me de outra cena ocorrida há muitos anos quando meu namorado me disse: “Vou te elogiar, sabendo que estou correndo o risco de você ficar mascarada”. Achei tão bobo. Como é que alguém vai ficar mascarado ao invés de seguro e feliz? Depois tive que admitir que ele tinha motivos de sobra para pensar daquela forma.
Lembrei-me ainda de outra amiga antiga que, sorrindo, dizia frequentemente: “Se elogiar, estraga”.
Juntei tudo, refleti, conclui: no passado recente elogiar alguém era dar arma para o inimigo. De fato, o elogio fortalece quem o recebe: olha só a minha amiga querendo arrancar mais grana do marido…
Claro, existe o elogio fingido dos puxa-sacos para amaciar o elogiado, que, abrindo a guarda, tornar-se-á uma presa mais fácil. Esse é, de fato, o uso mais corriqueiro do elogio e que nos coloca em guarda contra ele. Quando alguém elogia, pode estar querendo o seu fígado. Portanto, pé atrás com o elogio.
Tem outro tipo de gente que vê o elogio como se fosse uma cobra: a gente tem que fugir da picada (do elogio, veja bem). São pessoas que, ao serem elogiadas, ficam apavoradas, justificam, diminuem o feito, porque sentem que a partir dali vão ter que fazer muito melhor. São pessoas que sentem o elogio como uma cobrança.
Conclusão: elogio sempre é coisa perigosa. Em todos os casos, só nos traz prejuízos. Melhor viver sem ele.
Me recuso a aceitar tal lógica.
Reconhecer o valor, as qualidades, a raridade preciosa que é cada pessoa no mundo, não só é bom como necessário para que a vida seja bela. É um dos componentes do estar satisfeito consigo mesmo.
Façamos, então um outro uso do elogio.
Primeiro, é preciso entender que só pessoas infelizes (com e sem maldade) não podem ser elogiadas, pois, como diz a bíblia, quem dá pérolas aos porcos vai ser espezinhado pelos animais. Eles se voltam contra quem deu o presente imerecido. Fato.
Discrimine e use. Bem usado, o elogio é a chuva que rega o novo laço social de pessoas guerreiras que construíram uma vida para si e não têm que vampirizar o outro para se alimentar do sangue alheio.
Não use o elogio como sangue para vampiros, mas como o maná, o pão divino que alimenta as nossas almas.
Coitadinho do elogio no mundo padronizado: apanha feito cachorro sem dono. É maltratado.
Vamos reabilitá-lo? Vamos reconhecer agora quem tem valor e não deixar para dizer depois – no discurso do velório, por exemplo?
Vamos tirá-lo desse lugar pouco honroso e dar-lhe status de um dos benfeitores da humanidade?
Luciene, realmente, o elogio quando é verdadeiro levanta qualquer defunto da cova, mas quando fingido é desastroso.