Os grandes milagres da vida

No Fundo do Mar (Romero Britto)

Luciene Godoy

A vida tem coisas tão grandiosas e tão belas, e às vezes, tão difíceis de se chegar a elas, que gosto de chamá-las de milagres.

Na minha lista coloco quatro itens: a risada, o brilho cúmplice do olhar entre duas pessoas, o orgasmo. Os três primeiros falam da mesma coisa: um momento de encontro entre dois seres humanos. Um milagre.

Freud ao falar do xiste (piada) nos revela algo que, apesar de simples e cotidiano, não vemos tão facilmente. É quando alguém nos conta uma piada: nós acompanhamos a narrativa até que o sentido que era esperado não aparece. Então o contador nos surpreende com o inesperado recém revelado e nos olha. Quando, e somente quando, percebe pelo brilho em nosso olhar que “sacamos” o além, o que não é dito. Quando o sentido da piada aparece e os dois, note bem, os dois se dão conta de que estão pensando a mesma coisa, o riso do ouvinte eclode. Só aí o contador também ri, do riso do outro.

A piada é um tipo de comunhão que é um prazer duplo. O do ouvinte por se surpreender numa descoberta, num sentido inusitado e o do contador por ter conseguido o feito de dizer sem dizer.

Não sei por que banalizamos tanto o orgasmo como se fosse uma refeição qualquer. Ele é muito mais. Ele também é um milagre. O milagre de um estado químico-emocional, num balé maravilhosamente sutil, até a eclosão do prazer máximo ao qual pode chegar um ser humano advindo de um encontro.

Você poderia me contestar dizendo que podemos ter orgasmos sozinhos. Se formos lacanianos diremos que sempre tem um outro em nossa mente. Mas quando esse outro está, de fato, presente e mesmo assim (note que a presença também é difícil de administrar porque ela interfere em minhas fantasias, o outro pode não ser como eu quero) acontece um encontro, mais uma vez houve um milagre.

E o quarto milagre? Não sei se paramos para pensar nisso, mas, outro grande milagre também é o aprender.

Quando se aprende, começa-se a ver algo que ali estava, mas não existia. É um milagre que nos faz entrar no presente. É sair do passado atualizando-nos diante da vida.

Aprender além de um milagre é também a fonte da juventude. Gostou?

É isso mesmo, a marca do novo, do jovem é não saber de “tudo” e querer aprender.

Saber envelhece, querer saber nos rejuvenesce.

Porém, aprender dá trabalho, cansa. É por isso que muita gente aprende durante os primeiros vinte ou trinta anos de vida e depois vive do passado e no passado: “No meu tempo era assim ou assado”. Seres fora do tempo com a poeira da preguiça.

Aprender é uma opção, é uma escolha de viver no presente, viver no milagre que é cada novo dia em nossas vidas.


Artigo originalmente publicado no jornal O Popular em 4 de agosto de 2011.

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