O que os comerciais nos vendem

Harper's Weekly: Christmas (Edward Penfield, 1894) -  www.metmuseum.org
Harper’s Weekly: Christmas (Edward Penfield, 1894) – www.metmuseum.org

Luciene Godoy //

Comerciais nos vendem produtos, responderíamos. Mercadorias, diria o velho Marx. Nos vendem coisas, afirmariam os menos detalhistas.

Hoje – afirmam os sociólogos, historiadores, filósofos e afins – nenhuma empresa “pega” e subsiste se não vender cultura.

O que viria a ser vender cultura? Ora, vender modos de ser de pessoas ou grupos aos quais queremos nos identificar. Queremos ficar lindas como Gisele Bündchen e charmosos como Reynaldo Gianecchini.

A Chanel não vende bolsas, sapatos e vestidos. Vende elegância garantida, vende bom gosto, poder de compra, nível social, tudo garantido. Comprou a marca, levou o produto e a ideia que ele transporta dentro de si.

As marcas nos vendem ideias, nos vendem cultura, nos vendem sentimentos.

Um certo comercial de carro começa mostrando o belo modelo em paisagens estonteantes e nos afirma que, ao adquiri-lo, é liberdade o que sentiremos. Ele – o carro – promove encontros, e é a realização de seus sonhos. Ao adquiri-lo e viver todos esses sentimentos a partir da sua existência – do carro –, você terá escrito sua história.

Poderíamos colocar liberdade, encontros, sonhos e história de vida em que tipo de lista? Pertenceriam estes vocábulos à lista das mercadorias que podemos comprar e vender?

Ao comprar o tal carro e não ganharmos o que está anunciado, será que poderíamos levar a empresa à Justiça por propaganda enganosa?

Sendo assim, como faríamos com os comerciais que oferecem desejo, felicidade, masculinidade, potência (hoje não só atributo oferecido aos homens, pois já temos muitos comerciais com mulheres de atitude e dinheiro fazendo acontecer)?

Todos para a cadeia! Todos vendedores de falsas ilusões que deixam os pobres e indefesos cidadãos comprando gato por lebre.

Será que a família que compra – ou comprava – a margarina Doriana acorda feliz cantando “Oh! Happy day”? Você dirá que é claro que não, mas a gente bem que entrava no clima, não é?

Pois é, os comerciais têm mesmo um enorme poder sobre os nossos sentimentos. Não se esqueça: sobre os nossos sentimentos.

Eles nos fazem “sentir” uma enormidade de sensações, desde o sentimento de necessidade ou vergonha por não ter aquilo que é anunciado até o de ter achado a resposta para uma falta de sabe-se lá o quê. Aquele vazio no peito que a gente está sempre procurando preencher.

Será que os comerciais oferecem produtos que preenchem o vazio? Claro! E como! O carro não preenche o vazio, mas a liberdade, os sonhos, os encontros, o ter um história digna de ser contada, sim, preenche.

Gente! Orelhas em pé, olhos abertos, ouvidos atentos, faro aguçado para perceber o que se sugere que vamos obter de valores subjetivos ao comprar um produto material.

Não podemos vender ou comprar valores sobre os quais só se pode sentir, mas existem objetos que poderiam ou não despertar tais sentimentos.

Sentimentos não se compram, mas não parece que a coisa é clara. Existe a mistura, e o ser humano que quer tanto sentir-se bem consigo mesmo tenta comprar a aceitação social, o reconhecimento de bom gosto e riqueza, a sensação de liberdade e milhares de outras coisas, todas à venda.

À venda, sim, mas não a pronta entrega. O tal produto material pode mesmo lhe encantar e enriquecer, mas isso só se você já tiver substância. Nesse caso, ele pode ser uma das suas extensões, parte de suas conquistas que falam de você e não será você que será falada por elas.

Em outras palavras, se você já tinha, você pode ter mais; senão, o oco continuará porque a solução não vem de fora.

Sentimentos se ligam de dentro para fora. É como uma matéria igual que, como falamos, “dá cola”.

Aqui vale lembrar do ditado: “As coisas mais importantes da vida não se podem comprar”.

Que neste Natal você dê, a você mesmo e aos que estão ao seu redor, muitos presentes que não se podem comprar.


Artigo publicado originalmente no jornal O Popular em 24 de dezembro de 2015.

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