Liberdade de quê mesmo?
Da prisão do padrão.
O que caracteriza uma espécie é o que os elementos desse conjunto têm em comum. Ou seja: no que são iguais.
E o que caracteriza a espécie humana? O fato de cada um ser único. De ninguém ser igual a ninguém.
Nos humanos o normal é ser diferente. No ser humano o normal é ir se transformando até o dia de sua morte.
Rousseau afirma que “(…) um animal é, ao fim de alguns meses, o que ele será por toda sua vida, e sua espécie, ao fim de mil anos, o que ela era no primeiro desses mil anos”. Enquanto isso, nós, humanos, acordamos, nascemos a cada dia diferentes do dia anterior.
Aprendemos sempre e inexoravelmente, se não estivermos doentes.
Quando nos obrigamos a sermos iguais, entramos na caixinha (ou seria caixão?) da mentira, nos perdemos de nós mesmos, murchamos, secamos e morremos vivos.
Os séculos 19 e 20 nos padronizaram. Tentaram nos fazer iguais para trabalharmos nas fábricas e escritórios, todos saindo de casa e voltando à mesma hora – o inferno da hora do rush. Nos levaram a consumir as mesmas coisas. Nos impingiram uma igualdade falsa, inexistente, para que, como cordeirinhos, andássemos todos para o lado que queria a sociedade e fizéssemos o que não era do nosso desejo, mas do desejo de um grupo qualquer, de um outro.
Fomos levados a mentir sobre nós mesmos, pois ser diferente era ser “anormal”.
O mundo padronizado nos dividiu entre desejo e aceitação e nos fez mentir o tempo todo. Negamos a nossa interpretação porque ela tem que ser a padronizada. Negamos o nosso desejo para sermos aceitos. Negamos a nossa singularidade e nos afirmamos como iguais para sobrevivermos no mundo padronizado. Por isso nos perdemos de nós mesmos.
É isso. Esse mundo padronizado nos impeliu a mentir o tempo todo. A negar o que queremos, vemos e sentimos.
O mundo padronizado era uma prisão de códigos e de modelos. Mas, e ainda bem que, segundo Luc Ferry – o maior filósofo francês da atualidade -, “O ser humano se difere do animal não é pela razão nem pela sociabilidade, como cremos de hábito, mas pela sua capacidade de se soltar, de se emancipar de todos os ‘softwares naturais’”.
Ou seja: não somos prisioneiros de um modelo. Nem a natureza nem o passado nos impõe um modelo porque somos seres transformadores de nós mesmos e do mundo.
“Nisso está nossa liberdade, entendida como a capacidade de escapar de todos os códigos, de se emancipar de todas as categorias que funcionariam como prisão”, para citar Luc Ferry de novo.
E a prisão nos tira o sol, o céu, o vento fresco, as escolhas, a construção… nos tira a vida.
Antes vivíamos na prisão do padrão. Tristes criaturas que andavam livres pela ruas mas levavam a prisão dentro de si… zumbis.
Acordem! O mundo mudou.
Não estamos mais na era do padrão.
Estamos na era da invenção.
Agora, novidades no pedaço: a nossa coluna “Divã do POPULAR” é um espaço aberto a pensar a psicanálise e a ajudar as pessoas a pensarem suas vidas. Sob a minha coordenação, este espaço será aberto a contribuições de outros profissionais. O psicanalista Jorge Forbes, estudioso da pós-modernidade e muito conceituado no País, será o primeiro convidado do Divã do POPULAR, que publicará seu artigo na próxima semana.
Aproveitem, degustem, aguardem outros convidados que enfeitarão e enriquecerão a nossa coluna falando de psicanálise e do ser humano a partir de sua singularidade.
Vamos viver o que pregamos. Vamos nos encontrar aqui no jornal em nossa maneira única de ver, pensar e escrever.
À mesa, pessoal. O banquete está servido.
Apenas alguém não padronizada teria a ideia e gentileza de abrir sua coluna para outros. Parabéns Luciene, você está sempre a frente!