Ando muito desconfiada de que jogamos coisas demais no lixo. Pior do que isso, ando me dando conta do quanto luxo está sendo tratado como lixo e acabando junto com material podre, sendo confundido com ele.
Estatísticas mostram que desperdiçamos 40% da água tratada para consumo no mundo. Veja a lógica disso: tem-se um enorme trabalho para se construir algo e, depois de pronto, ao invés de se usufruir, joga-se no lixo.
Proponho passar o ano que começa reciclando. É, proponho reciclar o ano velho… Proponho reciclar toda uma vida. Fazer um uso renovado das histórias, do sofrimento, das alegrias, do aprendizado. Reciclar geral! Dar um outro ciclo, uma requalificação ao que se tem.
Para isso começo com a história de meus aluninhos que levamos ao zoo para um piquenique. O excitado grupo passava de jaula em jaula com a cabecinha já virada para a próxima. Sempre correndo atrás do que estava adiante, sem parar para degustar o que estava na frente.
Moral da história: quando terminamos o piquenique e os convidamos para entrar no micro-ônibus, chôrôrô geral: “Mas nós ainda não vimos os bichos”. Ainda??!!
Será que nós adultos fazemos a mesma coisa? Corremos atrás do próximo objeto, da próxima situação, deixando riquezas imensas na caixa de presente que acabamos de ganhar e jogamos fora.
O cara com uma linda mulher olhando a do lado sem ver a sua. Ou a mulher desejando o marido da próxima sem nem saber o marido que tem porque, ao invés de viver a experiência, volta os olhos para a busca adiante.
Desperdício na humanidade: luxo transformado em lixo. Tantas coisas, presentes lindos nos são dados e jogamos no lixo sem os ter utilizado – como um maravilhoso filme que vemos apressadamente e não nos damos conta de detalhes riquíssimos e jogamos no lixo, dizendo: “Já assisti… já vi… já sei o que é…”
Já viu nada! Passou por cima e jogou no lixo.
Fazemos o mesmo com livros, conversas que mal escutamos, loucos para dar a nossa opinião sobre o que nem prestamos atenção.
Produzimos muito lixo de coisas que não utilizamos e achamos que já foram apreciadas. Que pobreza!
Mas por que, afinal, jogamos o que tem valor no lixo sem saber que tem valor?
Resposta fácil. É porque o objeto tem algum defeito e, como tudo é imperfeito nessa nossa vida, jamais nos adequaremos ao que o outro espera de nós.
Então, já que frustramos e desiludimos o outro, “rodamos” e lá vem o próximo objeto no carrossel infantil daquele que nunca degusta o que tem e sempre busca o sabor perfeito que nunca chega.
O maior luxo que transformamos em lixo, no entanto, é o que fazemos nós mesmos. As pessoas são tão bonitas, mas não veem isso. Aí se comportam como pessoas feias, infelizes, cobradoras. Parece que o mundo tem culpa do seu mal estar e elas não se dão conta de que o que veem em si mesmas é que causa a dor interna, a vontade de sumir. Sumir de si mesmas?
Não damos valor a nós porque vemos o tempo todo as nossas imperfeições, já que mancamos a cada passo que damos porque as pernas de ninguém têm exatamente o mesmo tamanho. Nossa! A Gisele Bündchen manca nas passarelas? Manca sim, lindamente, e todos babamos por ela.
Não reconhecer nossa maneira única de ser, nosso jeitinho, o que damos conta de realizar, aonde as nossas pernas já nos levaram etc., etc., é jogar as nossas maiores riquezas no lixo.
É jogar a nós mesmos no lixo.
Agora doeu: será que a gente joga a gente mesmo no lixo?
Joga sim e depois fica procurando alguém para nos convencer de que não somos aquele lixo todo. Quando essa pessoa aparece, a gente não confia no que ela diz e olha de lado procurando a próxima que nos “ajudará” a sair do buraco (da privada). Já ouviu falar em privada de buraco? O buraco no qual a gente se joga diariamente é aquele.
Saia dele simplesmente parando de jogar luxo no lixo.
Luciene! Essa é muito real, estou reciclando minha vida agora mais que antes, acredito que tem muitos fazendo a mesma coisa. Vamos parar de nos jogar no lixo.