Em julho desse ano será realizado em Bruxelas o 3º Congresso Europeu de Psicanálise, cujo tema é “Victime” Será um congresso só sobre… vítimas.
Seus organizadores afirmam que, sendo tomada como sintoma ou causa, a palavra vítima tem servido para intensas e múltiplas utilizações na sociedade consumista pós-moderna. Vítima do calor ou do frio, da chuva ou da falta dela. Vítima do cansaço eterno e da doença que espreita. Vítima do seu trabalho e dos políticos.
Já se perdeu a noção entre grandes e pequenas coisas, de forma que o sentir-se vítima pelo atraso do avião ou pelo acidente que ocorreu parece não ter muita distância. Tudo fica do mesmo tamanho: enorme.
Na esfera pessoal, somos facilmente vítimas das cobranças de alguém, do mau humor incontrolável do outro ou da desatenção geral. “O que posso fazer?” “Reclamar e me sentir vítima de algo ou de alguém” – parece ser a resposta dada.
Ser vítima ficou tão comum e invisível que se tornou uma moeda de troca social. Se você não tem o que dizer, não se tornou uma pessoa com qualidades para atrair, para encantar e seduzir – o que dá um certo trabalho – não tem problema. Não vai fazer falta. É só sacar da manga uma reclamação qualquer de alguma coisa que a relação flui. Assim fica fácil, né? Sim, fácil e improdutivo. Fácil e estagnado.
Assistir aos noticiários nadando de braçada entre as informações das últimas catástrofes é ótimo para a gente se sentir a vítima acuada, mas que dessa se safou. A próxima pode ser você, mas até agora é alívio.
Tem carne fresca no açougue: caiu um outro avião, uma bomba explodiu num shopping nesse momento, naufragou tal navio nessa manhã, um tufão na noite passada matou tantas pessoas. E isso tem algum frescor? Tem alguma novidade?
O avião caiu mesmo? Quantas pessoas morreram? Qual foi a causa? E o culpado? Achem o culpado! O interesse passa, e muito, de meramente ser informado e lamentar pelos desafortunados. Essa repetição insana nos mantém desocupados da nossa própria vida. Ou melhor dizendo, ocupados conosco nos comparando com o de fora. Não se (pre)ocupe com as mazelas alheias porque as suas também chegarão, e só nessa hora será a hora de se ocupar delas.
Num mundo que desconfia das regras e das instituições, como o nosso, que não mais ingenuamente tem a certeza da justiça, num mundo sem parâmetros fixos, ficam homens e mulheres mais sujeitos ao discurso do impotente porque desprotegidos da segurança do pai.
A crença em um outro poderoso não nos sustenta mais. Parece que não há mais valor e garantia em simplesmente ser homem. E isso para os próprios homens. Parece que não existem mais homens como antigamente para as mulheres – as mulheres não topam mais se mascarar para sustentar a potência masculina. Desvalor de lá e de cá os instala na posição passiva de vítimas.
Mulher ser vítima é a posição por excelência ocupada por ela na sociedade patriarcal – com e sem razão, Quantas mulheres fortíssimas fizeram muito por não se verem como menores.
Mas a raiz disso é que somos vítimas sutis de uma “impotência de base” desde o nascimento. A violência da troca do mundo intrauterino para o “Planeta Ar” de forma tão abrupta nos deixa sem conseguir achar prazeroso fazer esforço. Parece que não damos conta, só o outro dá. É lá que tudo de bom ou de ruim acontece.
O que se contrapõe ao vitimismo, por mais sutilmente disfarçado que seja ele em nossas vidas, é tomar para si a potência do “é comigo mesmo e eu dou conta”.
Falamos que “é o dono do defunto que pega na alça do caixão”. Isso, tomado de outra forma, pode virar: “É o dono da vida que faz as coisas acontecerem”.
É aqui dentro do nosso corpo que todas as coisas são resolvidas, ou não.
Ser vítima é deixar de usar seus músculos para agir e preferir deitar na tábua de bife!
Nossa Mãe Santíssima! Luciene, você caiu matando!
Ou a pessoa levanta, ou cai de uma vez e pronto!