No Rio, em São Paulo, Londres? Na fazenda, na praia, no shopping? No colo da mãe, no abraço do amigo, no beijo do ser amado?
Tantos lugares para se descansar…
E descansar seria o quê, mesmo? Além do mais corriqueiro repousar, o verbo também expressa o livrar-se de preocupações e aliviar-se de receios. Ainda tem mais significados: confiar, acreditar, apoiar-se, alicerçar-se, sustentar-se. Tudo de bom!
Descansamos em nosso travesseirinho gostoso, em nossa cozinha familiar, no sofá da televisão… Ou será que preferimos a cama king size do hotel cinco estrelas, o restaurante bacana, os programas fora de casa?
Os dois, você pode dizer. Bonito gostar de sua própria casa e de sua própria vida. Mas, convenhamos, discurso à parte, muita gente gosta mesmo é de estar em outra cena, em outro lugar, em outra vida.
Pessoas (e muitas), fazem um esforço enorme para “sair de si mesmas” na bebida, nas compras, nas fugas diversas – e nesse momento terem um prazer que só pode ser vivido longe de sua realidade sem cor.
“Ah, deve ser a rotina que tira o prazer de tudo.”
“Não, deve ser o trabalho que só traz estresse e preocupação.”
“Não de novo, devem ser as pessoas que só me cobram e enchem o saco.”
Sair, escapar, ir para longe do desagradável dia a dia, onde a felicidade nos espera sorridente. Vamos sem pensar na volta, pois, se ela aparecer, já escurece o sol da promessa de felicidade fora da vida.
Talvez não tenhamos a clareza dos dois mundos, que nem são o doméstico e o mundano, o privado e o público. Falo de um mundo de uma proximidade mais radical do que o doméstico – é o mundo corpóreo.
Antes de morar na sua casa, se hospedar em um hotel ou habitar a sua cidade de moradia, você habita, mora, vive e se hospeda em seu próprio corpo. Aquele com o qual você dorme, acorda e passa 24 horas por dia.
Como andam as suas relações com a sua moradia número um? Não estou falando exatamente de ter uma dieta saudável, fazer exercícios e ter lazer. Estou falando de saber que tem no seu corpo uma morada. Ele não é um instrumento, ele é o local onde se sente e se vive.
Merleau-Ponty nos ensina que o sentir é um conhecimento, mas, se sentimos a nós mesmos, mais dói do que dá prazer. Será que convivemos com o inimigo? Para gostarmos de nós mesmos precisamos esquecer de quem somos? Ou precisamos inventar um personagem para convencer o outro e nos sentirmos por algum tempo um pouco felizes com o que a gente “diz que é”?
Sempre me emocionaram as seguintes palavras de Jesus Cristo: “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça” (Mateus 8:20). Dá uma enorme sensação de solidão, não é?
De fato. E mais: é que nascemos com a missão de construir, para cada um de nós, nosso lugar no mundo. No começo ganhamos o lugar dado pelas primeiras pessoas que nos receberam na vida e que nos dizem o que elas pensam e veem em nós. Depois, vamos crescendo e sendo o que escolhemos ser.
Onde podemos descansar? Sabia que um bom travesseiro de descanso são os nossos pensamentos? As interpretações que fazemos de nós e do que nos acontece podem ser afagos ou espinhos para nossa alma.
O descanso é o que pensamos de nós mesmos. E se passarmos a vida toda repetindo o que disseram e fizeram com a gente, na verdade não perceberemos que fomos nós que continuamos o trabalho que o outro começou. Somos nós que nos desqualificamos ou que não nos enxergamos. Por isso, o que você pensa de você mesmo é o seu tormento ou o seu descanso. Fugir do corpo e de si com químicas e distrações quase sempre leva à destruição e/ou a uma vida vazia.
Entrar dentro de si com a benevolência que desbanca o supereu e as idealizações é abrir a porta da sua vida para você entrar nela e habitar o melhor lugar do mundo… a sua casa-corpo.
Originalmente publicado no blog Mundo Psi, da Revista Zelo, em 01/07/2016
Parabéns Luciene!
Estou aqui na minha morada amolando o meu facão, continuando nosso trabalho com seus deliciosos artigos.