Luciene Godoy //
Um dos maiores e mais respeitados pesquisadores sobre comportamentos viciados do mundo é o médico húngaro-canadense Gabor Maté. Ele trabalha em uma comunidade de viciados em drogas pesadas em Downtown Eastside, na cidade de Vancouver, no Canadá, e afirma que vício é a relação que temos com qualquer objeto que seja passível de nos dar prazer.
Em sua lista, ele coloca vícios bem mais prosaicos: comida, bebida, consumismo, televisão, internet – e até mesmo trabalho, dinheiro e poder, elogiados na vida social.
Um comportamento pode ser considerado viciado quando, por exemplo, só conseguimos sentir o ganho imediato. Quando nem o preço caro e o custo-benefício desfavorável são levados em conta. Os ganhos maiores que poderiam advir do não atendimento imediato daquele imperativo são sequer percebidos. É um atendimento imediato como o da criança que não aprendeu a esperar, construir, querer coisas maiores e verdadeiramente melhores para sua vida como um todo.
É que o vício, de uma certa forma, está mais no momento da expectativa, naquele momento glorioso em que esperamos obter o desejado, como um leão saltando sobre a presa. É o prazer de achar que vamos saltar e agarrar a completude, o prazer infinito, que quando chega é, imagine só, um prazer fugaz, como uma refeição gostosa, mas que não tem o poder de sanar o desconforto da fome que inevitavelmente virá depois de algumas horas. Essa pulsação em si já é prazerosa. Como diz Freud em O Mal-estar na Cultura, a evitação da dor já é em si um prazer.
O prazer que se busca no vício não está na degustação, mas na caça sem fim ao objeto desejado, que nada mais é do que se sentir pleno. O que até acontece. Podemos, em muitos momentos, ter a sensação de plenitude, só que ela passa para que venham outras coisas, boas e ruins – inclusive outras plenitudes pulsantes.
Uma amiga gastava todo o seu dinheiro extra na compra de pequenas bugigangas que desapareciam da cena tão logo eram adquiridas. Ela não se via capaz das grandes coisas, só das conquistas de R$ 1,99. Anos atrás, disse isso a ela. Afirmei que ela não se via juntando os poucos para fazer o grande, que só pensava e fazia pequeno. Ela não conseguia ver como a adição de um pequeno mais outro e mais outro faz no final um grande. Fazia, isso sim, um uso descartável do que lhe aparecia diante dos olhos.
Dessa forma, não há soma, só a manutenção do zero, do nada, quando se joga sempre fora o que nem sequer foi bem usado. Não dá tempo nem de usufruir para se jogar fora. No momento mesmo do uso já se está olhando o próximo objeto.
É o paradoxo do comportamento viciado: ele é repetido insanamente porque existe o gostinho do desejar e obter o objeto – que, por ser pouco degustado, perde-se rapidamente, e aí precisamos correr atrás do próximo de novo e de novo.
Se desejar também é um prazer, por que não integrá-lo mais em nossas vidas, hoje tão consumistas?
Se o gostinho de esperar aumenta o sabor do que é degustado, por que não variar os caminhos percorridos para a obtenção do prazer?
Para falar da atitude que leva a uma ou a outra posição, uma coordenadora do Vigilantes do Peso descreve da seguinte forma uma criança obesa e uma magra: “Se você oferece um Sonho de Valsa para a obesa, ela enfia correndo na boca, mastiga ansiosa, engole e estende a mão pedindo outro; quando você repara a magra, ela está se lambuzando vagarosamente, curtindo o seu que ainda vai durar muito tempo”.
É revoltante, mas a verdade é que quem come mais e mais gostoso é quem come menos!
Essa é a ideia! Só temos quando vemos/sentimos o que temos e usufruímos. Senão, foi um vento sem cor nem sabor que passou: não o pegamos e imediatamente começamos a corrida atrás do próximo.
É… o imediatismo pode apequenar mesmo as grandes coisas da vida.
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Artigo publicado originalmente no jornal O Popular, de Goiânia (GO), em 22 de outubro de 2015.