Refogue o frango em alho dourado e acrescente a pimenta de cheiro. Vá pingando a água quando tiver formado uma crosta marrom no fundo da panela. A água vai fervilhar uma espuma aromática e impregnadora de sabor e cor. Só então ponha a cebola picadinha, que dará, ao se derreter, cremosidade ao molho que ficará dourado, espesso e saboroso.
Sirva numa linda travessa com cheiro verde picadinho, rodelinhas de cebola branca, pimentinhas de bico vermelhinhas e que mais o seu entusiasmo pedir para dar um ar festivo.
Ou então…
Ponha dois litros de água numa panela, jogue umas colheradas de extrato de tomate para dar cor. Acrescente alho cru amassado – dá muito trabalho dourá-lo, então deixe prá lá. Jogue também uma cebola cortada em quatro – cortar miudinho dá muito trabalho, não precisa.
Quando a água vermelha com o alho cru e a cebola estiverem fervendo, jogue os pedaços de frango e deixe cozinhar até ficar mole. Nem tem necessidade de deixar o caldo engrossar porque pode levar muito tempo e o que a gente quer é evitar muito trabalho.
Estando o frango cozido, mesmo que boiando feito aquela carne branca parecendo lixo descendo rio poluído, vai estar valendo, porque afinal, ele será comido em 5 minutos e tudo estará esquecido.
A segunda versão – a de evitar trabalho inútil – era o jeito de uma amiga americana preparar a comida. Morei com sua família e, como sempre gostei de cozinhar, as panelas ficavam por minha conta. Quando eu me ausentava era ela que assumia a direção do fogão. Hoje entendo bem melhor os sorrisos largos e o brilho no olhar dos comensais com veementes frases de boas-vindas e felicidade pela minha volta.
A comida da tal era horrível sem atenuantes. Era pra encher o bucho e tentar esquecer o que se comia. Se tentasse degustar era morte certa. Melhor “cobrir com a bandeira e comer por amor à pátria”. Uai, parece que conheço esta frase usada para outro tipo de situação – e ainda por cima relacionada com o verbo comer também!
As preliminares do primeiro prato é que criam o sabor que vale a pena ser degustado. E veja que são usados os mesmos ingredientes, diga-se de passagem, porque além de alho e cebola – os temperos são uma lista pequena sem muitas opções – a diferença está no savoir-faire (saber fazer) da combinação e uso. É o capricho, a dedicação, o querer fazer acontecer. Exige investimento, dá trabalho meeesssmo!
Seduzir horas, dias e semanas antes da cama dá outro sabor. Aliás, seduzir sempre, sendo uma pessoa desejável, ética, emocional, intelectual e carnalmente falando, só pode ser o máximo. Por que não tentar?
O sabor final pode ser INESQUECÍVEL.
Inesquecível a ponto de ficar com gostinho de “quero mais”, desejo de repetir o prato, que, melhor ainda, será sempre diferente, mas talvez não menos inesquecível.
Podem me questionar que numa vida cotidiana isso não é possível. Mas aí é que que está a questão: a nossa vida cotidiana está cheia de momentos de separação e retorno. De vai-e-vens tão propícios a gerar desejo.
É que não vivemos cada dia como se fosse o único e aí repetimos as velhas frases e comportamentos. Só usamos roupa velha suja e batida. Sem surpresas nem descobertas.
Que é possível é. Por exemplo: o Taj Mahal, construído como uma homenagem de um homem apaixonado a uma mulher que já tinha lhe dado um monte de filhos e vivido um tempão com ele. Penso que esta é uma prova de um imenso amor e desejo que pode não só permanecer como aumentar com o tempo. O Taj Mahal nos mostra isso.
Não se esqueça nós só desejamos gente viva. Gente que não parou no tempo, que não está na onda daqueles que dizem: “comeu a carne e agora tem que roer o osso”.
O segredo da boa cozinha está no detalhe, no investimento para que haja sabor.