As pessoas costumam dizer que quem procura a análise é porque está sofrendo. Recentemente ouvi de uma analista chamada Cláudia Riolfi uma afirmativa, no mínimo, intrigante: que alguém procura uma análise porque fugiu da festa da vida.
Difícil de engolir porque, primeiramente, todos sabemos que a vida não é uma festa. Segundo, a gente não foge de festa. É a festa que foge da gente, que não acontece em nossas vidas. Nós bem que queremos! Mas festa, festa mesmo, das boas, só para os “few privileged” – os poucos privilegiados. Grupo dos quais, logicamente, não fazemos parte.
Quem fugiu da festa se diz triste por tudo que lhe aconteceu e ainda acontece na vida. Se esconde atrás das palavras que lhes foram dirigidas, do desamor, da injustiça, de… um monte de coisas ruins.
Não buscam satisfação própria porque estão ativamente implicados em corresponder às supostas expectativas alheias. Ao invés de se satisfazer, querem ficar bem na foto.
O banquete está posto e eles viram a cara para o outro lado, fingindo que não têm fome nem sede. Agem como burros que negam que estão famintos de prazer, de alegria e de liberdade, imaginando o que os outros vão pensar.
É verdade que a tirania social acha ridículo presenciar nosso prazer, que, em última instância, é nossa sexualidade. Sexo explícito? Não. Prazer explícito. Prazer que não necessita ser escondido entre quatro paredes por seu conteúdo perverso e inconfessável. Prazer que, por ser vivido, não se manifestará como rancor e mágoa por meio das maledicências e agressões a quem tem a coragem de vivê-lo.
Não dá para comer a omelete sem quebrar os ovos. Satisfazer a expectativa social e ser feliz, muito frequentemente, não caminham juntos porque nossa singularidade não é mesmo o que o outro espera. O que é esperado é o conhecido e nós, se saudáveis formos – leia-se: se estivermos no fluxo da vida e não agarrados à “segurança” da fixidez e do conhecido -, seremos sempre uma surpresa. Quer dizer, um susto mesmo.
Pouca gente desenvolveu o paladar para apreciar novos sabores o tempo todo. Porque a vida não para e nem nós dentro dela. Só quando estamos mortos, estado de muitos que nem sabem disso. Os zumbis dos quais tanto falo. Zumbis que abandonaram sua própria vida para viver outra, aquela aprovada socialmente.
O que dizer a esses zumbis?
Deixem seus corpos e almas terem fome em paz. Assumam que eles querem sim, ter prazer e alegria e busquem, corajosamente, os meios para dar a eles o que lhe pedem. Inventem, ousem fazer o que lhes agradam sem ter que explicar o porquê.
Se não tiver nome, inventem um e enriqueçam o mundo com mais uma possibilidade para quem nele se reconhecer e quiser usar, como uma amiga que inventou o verbo “prazereirar”. É lindo ver o seu sorriso aberto e olhos brilhantes dizendo: “Gente, vamos prazereirar este texto!” Ler, comentar, refletir, mas prazereirar não existia. Agora existe, para o nosso uso e deleite.
Ou seja, além de viver suas “loucuras”, a pessoa pode ainda inventar um nome para elas e depois pô-lo no mundo, e, veja bem, não é pô-lo no mundo para ser chamada de louca ou esquisita, mas para assim fazer parte dele. Trazer a riqueza do diferente e não a ameaça que dantes significava.
Temos nossas fomes inomináveis, mas elas não são ilícitas. Elas são apenas só nossas, não vividas nem compreendidas pelos outros. Busquemos encontrar maneiras de atendê-las, de assumi-las diante do mundo, dando-lhes muitas vezes um novo nome ou usando os que existem de forma inventiva, que falem da sua “unicalidade” – palavra inventada por Danuza Leão em um dos seus artigos.
Como diz a Riolfi: “A vida pode ser divertida quando não se fica tentando adivinhar as expectativas alheias para se fazer amar”.
Essa anorexia da vida é impalatavel. Uns engordam, outros adoecem, mas todos morrem quando não saboreiam o banquete. A vida é uma festa com convite personalizado. Não dá para dar para o outro a iguaria, além de vc ficar sem quem disse que ele quer?
Que eu não me deixe de me prazeireirar, é o que me peço.