Ele era um homem “casado com o inimigo”. Uma mulher nada a ver com ele. Falava-me que em seu casamento tinha aprendido a sentir, na sua mais profunda acepção, o que significava a expressão “solidão a dois”.
Em seus longos anos de casamento, ele com frequência e tristeza desviava os olhos ao ver casais em cenas de carinho e intimidade para não doer ainda mais o imenso buraco que tinha no peito.
Lembro-me de uma história muito tocante que me contou em um dia de especial emoção. Disse que quando a solidão se anunciava maior ele se lembrava de um determinado casal que um dia vislumbrara ao longo de uma estrada.
Estavam ele e sua distante esposa em viagem, confortavelmente sentados em seu carro luxuoso, quando ele, ao passar por um povoado desses no fim do mundo, à beira da estrada, viu um casal que andava ao longo do caminho vindo em direção ao povoado.
Os dois caminhavam e conversavam animadamente, com os rostos sorridentes e os braços cheios de produtos que, com certeza, eles cultivavam juntos e vinham vender na feira de sábado.
Enquanto seus olhos seguiam a cena, em sua cabeça se desenrolava o enredo de um grande desejo: o de ter uma “mulher companheira”. Quem dera sua mulher o enxergasse mais, vivesse com ele e com os filhos, ao invés de estar sempre ligada ao desejo de ser aceita pela própria mãe – com o coração na casa paterna, sem jamais ter assumido o seu lugar de mãe e mulher de um homem com quem havia casado para ter um lar, intimidade e companheirismo.
Mas, Deus é pai e o seu dia chegou.
Ele já havia se separado daquela com a qual nunca estivera junto e veio a conhecer uma outra mulher, cuja grande característica era ser uma pessoa companheira.
Recebeu o presente que a vida lhe dava? Claro que não.
Quando queremos algo com muita intensidade. Algo que desejamos de maneira muito marcante e que não alcançamos nunca, ao invés de pensarmos que somos azarados, começemos a desconfiar de nós mesmos. Muito provavelmente estamos vivendo uma “repetição neurótica”.
Aquilo que transborda em nossa lista de desejos costuma ser algo que nunca tivemos, portanto não sabemos distinguir quando o temos. Idealizamos, imaginamos que seja isso ou aquilo e nos perdemos quando a coisa acontece, pura e simplesmente porque o nosso cérebro não sabe do que se trata.
Temos um desejo na teoria, na prática não sabemos o gosto que ele tem nem o formato.
Nosso querido amigo em princípio reconheceu e começou a viver com a mulher que tinha os atributos que ele procurava. Geralmente é assim: no princípio aguentamos a “não repetição”, mas logo em seguida o novo barquinho começa a “fazer água” e vai aos poucos afundando também como o outro.
Moral da história: quando temos, não vemos que temos porque recobrimos a realidade com nossos “olhos internos”. Jogamos nela as imagens que estão em nossa mente e não o que de fato acontece no mundo externo.
Olhos internos são o nosso olhar para a história infantil, um olhar que só vê o que aconteceu e que joga sobre a realidade presente os mesmos significados de fatos semelhantes que ocorreram no passado.
Como parte de minha campanha “Pare de jogar luxo no lixo”, chamo a atenção de todos para o fato de que muitas vezes estamos de posse de coisas muito almejadas, mas não as reconhecemos e não as usufruímos.
Muito pelo contrário, estamos sempre inquietos olhando de lado, buscando, procurando e a cada vez que encontramos essas coisas as jogamos no lixo como o saco do sanduíche recém-comido. Pensamos que estamos jogando fora o resto, o que não tem valor.
Sinto dizer, mas na maioria das vezes estamos jogando fora aquilo que representaria o maior luxo em nossa vida.
Acabamos, quase sempre, jogando inadvertidamente o nosso luxo no lixo e continuamos morrendo de vontade de possuí-lo.