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A dor que dói mesmo

A dor que dói mesmo é sempre a atual.

É quando o presente está ruim que reeditamos, somamos dores de outrora para dar corpo ao que não está bem hoje. Nas palavras de Jorge Forbes: “O passado que tem importância não é o que foi efetivamente vivido, mas o que inventamos para justificar as dificuldades presentes”.

Proponho agora pensarmos um outro tipo de dor, disfarçada a tal ponto que sequer nos damos conta de que existe: o sofrimento pelo futuro.

Não só sofremos muito com o passado como também o fazemos, talvez num montante maior ainda, com o futuro, que, não esqueçamos, não nos pertence.

Ah, como as pessoas tem certeza de que muitas coisas ruins “podem” acontecer no futuro! Coloco o verbo entre aspas porque o que é efetivamente vivido não é o “podem”, mas o “vão” acontecer. E aí os de barriga gelada de medo do futuro vivem o dia a dia dizendo a si mesmos: “Que bom que está tudo bem, que bom que nada de ruim aconteceu”. Ah, então tinha que acontecer e – mais uma vez, pela trilhonésima vez – não aconteceu e os sofredores de dores que não chegaram a acontecer suspiram aliviados?!

Aliviados de mais uma certeza maléfica que não se realizou.

O futuro é promessa de sofrimento para esse tipo de gente – infelizmente, pra eles e pra nós, que temos que conviver com “urubulinos” contumazes  – eles formam um conjunto vasto na nossa sociedade.

E o passado? Como fazer o passado ser igualmente fonte de dor e sofrimento?

É só somá-lo às pequenas frustrações inevitáveis do dia a dia que conseguimos potencializar bastante a dor e transformá-la em sofrimento, aquele sofrimento que não tem fim. Então precisamos, necessitamos  mesmo, achar uma privada para vomitar tanto alimento ruim (alimento de alma, é claro). E aí… coitados dos que nos rodeiam! Eles serão nossas privadas preferenciais ao nos aliviarmos da comida estragada que botamos pra dentro.

É assim que acabamos com momentos bons, possibilidades de risos, de brilho no olhar, de encantamento e vamos pouco a pouco destruindo nossos casamentos, a amizade verdadeira que podemos ter com os nossos filhos, as relações de trabalho mais agradáveis. Tudo emporcalhado pelos nossos vômitos, que da privada aspergem o chão, as paredes e – porque não dizer? o mundo.

A dor que dói mesmo é a do presente.

O passado, se tiver virado passado, só nos traz lembranças que não nos afetam, que não fazem os lábios torcerem de sofrimento. É só uma história que passou e da qual fizemos outras histórias.

Aliás, um bom antídoto para as dores passadas é fazer muitas histórias no presente.

Um presente iluminado joga luz sobre as trevas de sofrimentos passados e elas não resistem ao nosso charme: sucumbem no abismo para o qual tentaram nos levar. Se formos amantes da vida, não daremos lugar para as trevas estacionarem o seu furgão de carregar defunto. Em seu lugar, lá estará a nossa Ferrari vermelha usada para as corridas da vida.

Procurar sofrimento no passado e no futuro é um esforço que exige muita dedicação.

Podemos passar nossos dias remoendo o que nos fizeram no passado e o que “pode” acontecer no futuro. Vive-se muito bem muito mal por anos a fio. Vive-se a vida toda nesse investimento falido.

Portanto, a escolha permanece: passado sofrido (ou idealizado, “maravilhoso”, que não volta mais e que, por não voltar mais, empobrece automaticamente o presente) ou futuro ameaçador?

Faça suas apostas que as cartas estão na mesa, quer dizer, os dias estão na vida.

Sua vida nas suas mãos? Será possível?

Veja as suas cartas, faça o seu jogo: viva a vida que tem agora ou se abisme no passado triste ou maravilhoso que não volta mais; ou ainda no futuro assustador ou com promessas mirabolantes.

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